Por volta da meia noite de ontem, no prédio vizinho, uma mulher gritou por socorro. Em poucos segundos muitas luzes acenderam e vários curiosos botaram suas cabeças pela janela para tentar ver ou ouvir o que estava acontecendo, inclusive eu.
E assim ficamos por algum tempo observando o movimento de entrada e saída dos policiais e ambulância . Em vão. Pelo menos eu não entendi o motivo do grito de socorro e fui dormir sem saber o que, de verdade, ocorreu ali. O que eu realmente vi é que a curiosidade pela vida alheia move o mundo. A gente deveria ter olhos com a função binóculo.
Hoje no salão de beleza enquanto pintava as unhas observei o papo das manicures e outras clientes: “Fulana é simpática, adoro o programa dela”, comentou uma mulher gorda. “É nada”, retrucou uma velha de cabelos mal tingidos, ” Meu marido já trabalhou com ela e me contou que ela não é nada do que parece”, disse cheia de razão.
E o assunto discorreu por algum tempo. Mudaram só os personagens. No fundo todos ali estavam interessados em saber um pouco sobre a vida do outro. Isso sem contar as conversas paralelas a respeito das fofocas do bairro. Maria que casou, marido que traiu, beltrana que está magra demais ou gorda demais ou feia demais. E todo mundo dando pitaco na vida de todo mundo. E eu, só escutando. Adorei saber, por exemplo, de uma que foi trocada por outra mais novinha e agora descobriu que o ex é corno. Perguntei se ela não ia dar um jeito de fazer com que ele descubra para sair por cima. “Pra que ? E perder a chance de me divertir com isso ? Quer vingança melhor que essa ? ” Tem toda razão a moça. Melhor eu ficar quietinha e me divertir também.
E que tal as revistas que mostram as personalidades do momento ? Todas as mulheres, sem exceção, são magras, ricas, lindas e muito, mas muito felizes. E pior: estão amando e sendo amadas com uma profundidade e uma certeza que chega a ser comovente e que, muito provavelmente, vai durar até a próxima edição. Mas é o tipo da notícia que vende e sempre há quem consuma toda essa babaquice. De um lado há um mundo de gente querendo saber como vivem, o que comem, vestem, por onde andam e o que pensam as pessoas que expõem suas vidas como quem troca de roupa. Do outro lado há outro tanto de gente querendo aparecer de qualquer maneira. No fundo é a mesma curiosidade que nos moveu ontem, só que vinda de outra janela.
É por essas e outras que os reality shows fazem tanto sucesso no mundo todo. Simplesmente porque podemos observar sem ser observados. Podemos xeretar a vida de uma pessoa do conforto do nosso sofá e melhor, com o controle remoto na mão. A gente fica lá, que nem um vizinho fofoqueiro, esperando o próximo grito de socorro. Depois é só mudar de canal.
O cinema e o teatro também funcionam como se fossem janelas abertas. Quando um filme nos faz rir ou chorar deixamos de ser espectadores e viramos, de alguma forma, personagens. Funciona mais ou menos como se pegássemos um sentimento emprestado. Aqui em casa, por exemplo, tem filme para descansar a cabeça ou relaxar e filme para movimentar e fazer pensar. Cada janela tem sua hora. Posso abrir qualquer janela. Isso não quer dizer que eu vá espiar o tempo todo. Às vezes o melhor a fazer é fechar tudo, as janelas e os olhos.
Quem abre a janela quer ver e pode ser visto. As borboletas podem entrar. Os mosquitos também. É preciso saber lidar com os bichos. Tem dia que bate sol. Tem noite que chove e molha tudo.
O vento entra e renova o ar. Ou venta forte e bagunça o que já estava no lugar. Pode entrar cheiro de fumaça e fuligem, mas também pode entrar o perfume da terra molhada. Tudo faz parte. Não dá pra viver fechada todo o tempo. E ficar o tempo todo exposta também não é legal. Para isso existe a possibilidade de abrir e fechar. Ou não seriam janelas. E não teríamos escolha. E sem escolha, não tem graça. Afinal de contas, para que serve viver se não podemos escolher a vista que queremos para nossos olhos ?
Eu quero vista para o mar. É o que meus olhos querem ver.
Parabéns! Ótimo texto. Também procuro vista para o mar ? e confesso que sinto dificuldade em conviver com quem procura a janela do vizinho