O intervencionismo legislativo gera consequências desastrosas

 

Além do imenso custo em vidas, a pandemia pode deixar sequelas adicionais não facilmente notadas. Mais especificamente, a autonomia ou liberdade para celebrar contratos.

O Congresso tem sistematicamente violado a preciosa doutrina dos contratos, fundamental para a ascensão da civilização moderna desde pelo menos o Iluminismo.

O respeito aos contratos voluntariamente firmados é um pilar essencial para a manutenção e a prosperidade de qualquer sociedade civilizada. A partir do momento em que os contratos passam a ser arbitrariamente desrespeitados, cria-se um ambiente de completa insegurança jurídica. Passa a não haver a mais mínima previsibilidade, o que afeta investimentos de longo prazo.

Vale lembrar do nosso mais recente exemplo de quebra de contratos. Em 2012, o então governo Dilma decidiu unilateralmente revogar os contratos de concessão das empresas de geração e transmissão de energia (os quais terminariam entre 2014 e 2018) com o intuito de fazer novos contratos e impor tarifas menores. A Medida Provisória 579 alterou totalmente o sistema elétrico. O mau humor dos empresários e do mercado com Dilma efetivamente começou ali, quando o governo deixou claro que não tinha nenhum respeito por contratos. Foi ali que começou a crescente onda desconfiança em relação ao ambiente empreendedorial do Brasil.

Agora, porém, a instabilidade está vindo do legislativo.

As últimas de Brasília

O intervencionismo legislativo, que não chega a ser novidade recente, pulveriza a doutrina de pacta sunt servanda — de que os contratos fazem lei entre as partes — e gera consequências desastrosas, muitas vezes invisíveis.

A expressão deus ex machina se refere ao teatro na antiga Grécia, no qual um ator representando um deus era inserido no palco de cima para baixo com auxílio de um guindaste (a “máquina”) para intervir em uma situação de conflito entre os mortais e concluir a narrativa, de forma mágica. Os atores em Brasília são admiradores do teatro grego, pelo visto.

projeto de lei 1179 — que interferia nos contratos privados durante a pandemia — previa: (a) poderes ditatoriais aos síndicos de condomínios à revelia das convenções de condomínio, (b) a proibição de liminares de despejo prevista no contrato de aluguel, e (c) a obrigação dos aplicativos de transporte em reduzir sua taxa de administração em 15%.

Afortunadamente o presidente vetou esses artigos na sanção que converteu o projeto na Lei 14.010.

No entanto, o Congresso voltou à carga interventora e aprovou na semana passada o projeto de lei de conversão 19.

O PLV 19 inclui a suspensão das cláusulas chamadas covenants dos contratos de empréstimos. Os covenants são comuns em debêntures e tipicamente restringem a capacidade da empresa de se endividar acima de determinado limite ou de deteriorar substancialmente sua saúde financeira, incentivando a prudência.

O eventual descumprimento de covenants frequentemente motiva uma repactuação dos termos entre empresa e credores, em geral com aumento dos juros pagos pela empresa recebedora do financiamento.

Embora a nobre intenção dos legisladores seja preservar a empresa, ocorrerá precisamente o inverso. Materializa-se, uma vez mais, a degradação da “segurança jurídica”, fundamental para a prosperidade. É o estado invadindo e tutelando a vontade das partes, por meio do dirigismo contratual de cunho socialista, como afirma o jurista Arnoldo Wald.

Isso serve apenas para criar ainda mais incerteza, mais imprevisibilidade e mais instabilidade, o que afeta não apenas investimentos, mas também, e principalmente, o financiamento a estes investimentos de longo prazo.

Consequentemente, perdem as empresas, o emprego e o investimento, que dependem de novos financiamentos.

Dado o risco “político” — de mudanças de regras no meio do caminho—, é difícil vislumbrar que o investidor estrangeiro continue concedendo novos empréstimos no Brasil em igual montante. E se conceder, é de se presumir que será a custo mais alto.

O problema que ainda não se vê

O Brasil necessitará de R$ 750 bilhões de investimentos até 2033 só na universalização do acesso ao saneamento. Serão muitos trilhões adicionais em infraestrutura, segurança pública, educação e saúde. Como o Congresso demonstra que não hesita em intervir, é improvável que as empresas consigam levantar os recursos.

É exatamente em períodos de crise que contratos são importantes. Caso houvesse certeza de cumprimento dos termos, contratos seriam desnecessários. O direito já possui instrumentos para lidar com situações extremas e adversas, como as previsões de “força maior”, “caso fortuito”, a repactuação e a novação, bem como as possibilidades de que o juiz possa mediar o contrato.

Essa intervenção tem como justificativa a pandemia de Covid-19. Só que essa não é a primeira pandemia da história; no século XX tivemos desastres muito piores. Não faz sentido usar a atual como justificativa para quebrar contratos.

É fundamental que o presidente vete o artigo das covenants do PLV 19 e que mantenha sua caneta Compactor do veto aquecida, pois em breve deve chegar para sanção também o PL 1.397, que interfere em processos de recuperação judicial de empresas e pune exatamente o investidor que injetou recursos novos para auxiliar a empresa.

Autor : Helio Beltrão
Fonte: Mises Brasil

 

 

 

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