por Bryan Rocholl
Os clientes deixaram o escritório após três horas de consulta. Após levá-los até a porta, voltei à minha sala e comecei a escrever estas linhas que compartilho agora.
Já é um pouco tarde, passa das 22h.
Reunião longa encerrando um dia que começou bem cedo.
A manhã foi dedicada a outras duas consultas no escritório – clientes na mesma situação, atravessando crises aparentemente insuperáveis nos respectivos casamentos.
Já a tarde exigiu que minha atenção fosse dividida entre audiências difíceis tratando sobre guarda e alimentos, além de visitas urgentes à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente – DPCA e à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher – DEAM.
Retornei ao escritório poucos minutos antes de dar início ao atendimento que inspira estas palavras, por volta das 18h45.
O relato desses clientes em muito se assemelharam ao de tantas outras mulheres e homens que me procuraram ao longo dos anos querendo se divorciar, cobrar mais pensão para os filhos, pagar menos pensão para a ex-esposa, aumentar o tempo de convivência com as crianças, reconhecer a união estável com o amante etc.
O que ouvi de tão diferente?
Tudo – e nada – ao mesmo tempo.
Eu ouvi a dor de uma mulher que julgava ter um casamento feliz e que se via obrigada a pedir o divórcio após 15 anos de união – sem ter emprego e com três filhos pequenos para criar – porque a pressão dos amigos e familiares era muito grande.
Eu percebi o arrependimento de um pai que quer estar presente na vida da família, mas que não sabia como conseguir fazer isso após ter sido surpreendido pela esposa com outra mulher – que espera um filho dele.
Eu enxerguei a raiva e vergonha no olhar de uma mulher que teve traídos seus sonhos e valores pelo homem em quem tanto confiava – visivelmente constrangido ante a enorme confusão criada pela sua falta de autocontrole.
Mas também percebi que nenhum dos dois queria o divórcio.
Qual o papel do advogado numa situação como essas?
Eu me detive a ouvir – muito.
Evitei fazer julgamentos, intimamente inevitáveis.
E contei a eles sobre meu dia.
Falei sobre a mulher que havia atendido de manhã cedo, que queria se separar porque não sentia mais desejo sexual pelo marido, que havia engordado muito após o casamento.
Falei sobre o homem que havia atendido logo depois, que queria se separar porque a mulher parecia mais interessada em fazer compras e viajar do que em passar tempo com ele e os filhos.
Falei sobre a audiência de alimentos, em que o pai queria pagar menos pensão aos filhos porque a ex-mulher não permitia que ele visse as crianças com regularidade.
Falei também sobre a audiência de guarda na qual a mulher, traída, não queria que o ex-marido tivesse contato com os filhos por causa da traição.
Falei sobre a visita à DPCA, em que o pai denunciava a ex-mulher por abusar psicologicamente da filha adolescente, impondo a ela um ideal de magreza que a levava à anorexia.
Falei sobre a visita à DEAM, em que a mulher denunciava o ex-marido por tê-la xingado de vagabunda na frente dos filhos, enquanto passeavam no shopping na companhia do novo namorado.
E disse aos dois que eu não queria que eles pedissem o divórcio antes de responder com sinceridade algumas perguntas diretas, direcionadas aos dois:
– O que vocês realmente querem fazer?
– O que vocês fariam se pudessem ir embora para outro lugar, longe da opinião e do julgamento dos amigos, dos parentes, da Igreja?
– Quais são os seus principais defeitos e como vocês conseguiram se acostumar com eles?
– O que vocês querem dizer um ao outro? O que vocês querem que o outro entenda?
Após três horas de reunião, eles resolveram que ainda tinham muito para conversar antes de tomar alguma decisão.
Nos despedimos.
Eu, cansado após um longo dia de trabalho.
Eles, com um baita dever de casa.
Pode ser que o casamento deles tenha um jeito.
Pode ser que me liguem em alguns dias.
Independentemente do resultado, como canta Caetano Veloso em “Dom de Iludir”, “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
E se for suficiente para os dois… é o bastante.
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